Ao formularem e reavaliarem as políticas energéticas, os países enfrentam uma
questão: as futuras matrizes energéticas devem refletir as ações que diminuam em
ritmo crescente a queima do petróleo, gás natural e carvão, na busca de frear o
aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Essa questão
vem acompanhada de relatórios de organizações respeitadas, como aqueles do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), advertindo que se
tais ações não se concretizarem haverá elevação dos oceanos, secas em
determinadas regiões, alterações no clima etc.
Outro exemplo é o documento publicado pelo Banco Asiático de Desenvolvimento,
em 2 de agosto de 2011, “A Ásia 2050”, e cujas conclusões foram divulgadas
recentemente pela mídia. Essa instituição, fundada em 1966 e cujo objetivo é
promover o crescimento econômico para países em desenvolvimento na Ásia, alerta,
nesse documento, que o impacto das mudanças climáticas está entre os principais
entraves, para que a região recupere a posição econômica dominante que tinha
antes da Revolução Industrial.
Mas o que parece é que tais advertências não estão encontrando ecos. Mesmo em
nossas casas, verificamos que os utensílios plásticos e as fibras sintéticas
(ex. poliéster, acrílico e náilon), cujas matérias-primas vêm do petróleo,
convivem intimamente conosco, tendo inclusive preços acessíveis. Vale lembrar
que as resinas termoplásticas originam peças para computadores,
eletroeletrônicos, brinquedos de nossos filhos, embalagens para alimentos,
produtos de higiene e por aí vai.
Ficam as perguntas: as políticas energéticas são irracionais por não terem soluções
e ações efetivas para substituir esses “combustíveis fósseis”?
Ouve-se que decisões irracionais têm uma forte relação com a racionalidade do
poder. E isso explicaria a questão para muitos e o assunto estaria encerrado.
Mas cabe lançar algumas reflexões.
Há afirmações e/ou previsões sobre a aproximação do fim da era de um dos
“vilões mor” da poluição do mundo: o petróleo. Há expectativas e avaliações de
que se aproxima uma era sem petróleo nos próximos 40 ou 50 anos, dependendo da
velocidade do consumo. E o carvão e o gás natural desempenham também papéis
negativos nessa possível “conspiração” contra o clima.
Focando inicialmente no petróleo, surge a indagação se esse combustível é
realmente considerado pelas sociedades como um vilão. Não custa lembrar que a
origem do termo vilão vem da Idade Média, referindo-se a indivíduos que não
pertenciam à nobreza. Assim, considerá-lo como um ator, fora de um mundo nobre,
quando sabemos que o petróleo é um dos maiores “business” do mundo, não é um
auto-engano? Afinal, o petróleo enriquece muitos países, traz desenvolvimento e
conforto a muitos indivíduos e isso sem entrar nos meandros da geopolítica e nos
conflitos de dominação. Não é à toa que ele é chamado de “ouro negro”. Além
disso, a união “estável” entre as indústrias do petróleo e de transporte,
formando um poder econômico fortíssimo, enriquece ainda mais essas
considerações. Tudo isso já é suficiente para mostrar a complexidade da
substituição do petróleo.
Quanto ao gás natural a situação é semelhante. O GN já é considerado como o
energético da atualidade e não mais do futuro. Segundo a agência americana EIA
(Energy Information Agency), o consumo do GN no mundo deve crescer quase 2% a.a.
até 2030, com uma participação nos setores industriais e de geração de energia
elétrica de 75% em 2030. Outro fato relevante é a atual capacidade de produção
do gás de xisto nos Estados Unidos que leva a novos paradigmas para indústria
dos combustíveis fósseis. E essa nova realidade veio com novas tecnologias
(“horizontal drilling” e “hydraulic fracturing”) que oferecem ao mundo a
oportunidade de consumir mais combustível fóssil.
Além disso, há outras indicações de que esse combustível movimenta o mercado
energético, por exemplo: os novos projetos de terminais de GN liquefeito em
vários países, o oleoduto Nabucco, que vai interligar a Áustria a grandes
reservas de gás no Azerbaijão, as descobertas de enormes depósitos de gás na
África e no Irã, etc. Ainda, por fim, os exemplos das descobertas e exploração
de petróleo e gás na camada pré-sal no Golfo do México, na costa brasileira e no
oeste da África também movimentam e fortalecem as indústrias de combustíveis
fósseis, parecendo longe o término dessas indústrias.
O outro combustível fóssil aqui citado, o carvão, tem perspectivas de
aumentar seu consumo também. O International Energy Outlook 2010 (IEO 2010) da
EIA em seu cenário de referência aponta que consumo mundial de carvão pode
aumentar em mais de 50% de 2007-2035, não considerando os potenciais de redução
de gases de efeito estufa. País que consome energia vorazmente, os Estados
Unidos têm mais reservas de carvão do que qualquer outro país no mundo. E é de
amplo conhecimento que a China usa em grande quantidade o carvão mineral,
principalmente na geração elétrica e na indústria. A geração termelétrica a
carvão mineral representa hoje quase 40 % da geração do mundo.
Nesse contexto como descabonizar as futuras matrizes energéticas no médio
prazo?
Certamente somente outro padrão de desenvolvimento das sociedades, com
rupturas tecnológicas e preços aceitáveis pelos agentes envolvidos e
consumidores.
Mas um fato a ser complementado nessas reflexões é que soluções energéticas
devem ter interface com o indivíduo. O consumidor acostumou-se a usar a energia
que lhe dê suporte em seu uso diário sob certo grau de simplicidade. Novas
tecnologias que alteram o padrão de utilização da energia é um processo longo e
os especialistas em clima sabem disso.
Os formuladores de política energética que têm a responsabilidade de prover
energia para as gerações atual e futura estão diante de inúmeras dificuldades
para conjugar suas proposições com a mitigação das mudanças climáticas. As
principais barreiras, a meu ver, seriam: a disseminação de novas tecnologias que
atendam perfeitamente às necessidades executadas pelas atuais e a preços
aceitáveis pela sociedade. Um dos entraves mais delicados é a aceitação pelos
indivíduos de mudanças em seus padrões no uso de novos equipamentos, utensílios,
enfim das novas tecnologias dentro do contexto trazido pelas mudanças
climáticas.
A proteção do clima demanda uma nova forma de pensar e isso exige processos
que têm um tempo de amadurecimento. Mudanças revolucionárias em um sistema que
permeia toda a sociedade, como o energético, não emplacam sem atender às
condições de viabilidade técnica-econômica, padronização, aceitabilidade e
interatividade com os indivíduos.
Assim, soluções tecnológicas energéticas que evitem ou diminuam o impacto
causado pelas atividades humanas ao meio ambiente devem ser introduzidas em
períodos, etapas em transição, mesmo que não haja a diminuição desejada das
emissões de CO2. As metas nessa transição devem buscar uma diminuição gradual ou
um aumento mais lento da taxa de aquecimento global. O processo de apropriação e
aceitação (o fator preço tem um peso significativo) dessas novas tecnologias,
por parte do indivíduo, dentro de sua cultura é um fator preponderante.
Um exemplo evidente de uma estratégia que, aliás, já vem ocorrendo, é a
substituição de combustíveis que emitem mais, por outros combustíveis
sustentáveis no setor de transporte. O diesel, com menor teor de enxofre, e o
etanol têm aceitação pelos consumidores, pois seus hábitos de uso de veículo
estarão mantidos, porém se seus preços forem competitivos. E no contexto de não
alterar significativamente a interface do cidadão com a tecnologia, pode-se
listar: as tecnologias de sequestro de carbono, equipamentos industriais e
utensílios domésticos mais eficientes, novas construções com aquecimento solar,
geração de energia à base de tecnologias limpas de carvão (Clean Coal
Technologie), termelétricas à base de biomassa, usinas eólicas e projetos de
arquitetura de novas edificações sustentáveis etc.
Em outra fase de maior ruptura, entrariam tecnologias como energia das ondas
e marés, fusão nuclear, energia solar espacial, etc, buscando um mundo futuro
com menos efeitos nocivos sobre a saúde humana, economia e meio ambiente.
Mas essas etapas ou fases exigem o suporte de verbas públicas, subsídios para
empresas desenvolverem pesquisas na introdução de novas tecnologias. O Estado,
certamente, terá um papel mais ou menos ativo, dependendo da sociedade. Esse
fato deve ficar bem explícito e sem ilusões. Em situações de crise, no entanto,
com decisões de cortes de gastos públicos, as fases serão postergadas. E não é
sem motivos que ala conservadora da sociedade americana rejeita subsídios dessa
natureza. Vale relembrar que o presidente Obama já abandonou a ideia de uma
política mais agressiva em relação à mudança climática e a redução das
emissões.
Sabe-se que a tecnologia inovadora tem uma linha de chegada que pode ainda
não ser vista. O horizonte fica, ainda, longe da viabilidade técnica e
econômica. Mas esse processo exige, por parte dos governos, planos de metas para
a redução de emissões detalhados, inseridos em uma realidade com monitoramentos
e atualizações periódicas para um acompanhamento pela sociedade. E as
expectativas das demandas “verdes” poderão ser austeras, mas dentro também de
uma realidade, para que o processo caminhe. Afinal todas as particularidades que
o tema exige e que se tentou apontar nessa postagem têm que ser reconhecidas
pelos atores.
Trata-se de um contexto extraordinariamente complexo com dezenas de variáveis
em que muitas são dependentes umas das outras. É um campeonato com jogos
decisivos em que “players” atuam sob pressões competitivas e cujos resultados
parciais já afetam a todos os indivíduos do planeta. Quando e como será o
resultado final é difícil de se prever.
Por Ysaack Franco
Os combustíveis fósseis são grandes causadores do aquecimento global, porque emitem muitos poluentes na atmosfera e precisam ser substituídos por energias mais limpas.
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